Marco Poeta - Ver com o coração

                   

Surdocego
Tenho de viver com a minha surdocegueira e sem remédio.
Sempre pensei numa outra vida mais feliz,
Mas às vezes a vida parece querer que seja infeliz
E noutras ocasiões dá-me tédio, tédio, tédio…
O meu mundo é o mundo das pequenas coisas,
Coisas que se conhecem e se repetem sem cessar.
Apetece-me tudo de novo começar,
Mas já estou preso às pequenas coisas.
Gostava de poder ver o que se passa na rua,
Ouvir as músicas que palpitam sob os meus dedos,
Passear por todos os lugares amenos
Que existem na minha fantasia no fim da minha rua…
Quem me dera ter amigos em vez de vizinhos
Que vivessem junto de mim e fossem só meus,
Pois a falta que sinto sabe-a Deus.
Porém, aqui é só a minha família e os meus vizinhos.
Sou surdocego e sinto-me útil aos demais.
A minha visão das coisas pode ser diferente,
Mas nem por isso sou eficiente
Como o são todos os demais!
Contudo, o que mais me escurece a alma
É achar o meu mundo muito pequeno e desinteressante
Como se a minha inteligência fosse insignificante
E comer, dormir e enfadar-me me trouxessem calma!
Sou surdocego e quero viver o sonho
Que transportam as aves da liberdade e do céu cetim,
Não quero acabar assim:
Preso a um colete de forças e tristonho.
Por isso é que eu soube escolher
Como quem prefere ser independente
E o menos possível deficiente,
Pois o surdocego também pode escolher.

Nenhum comentário:

Postar um comentário